A vulnerabilidade da terceira idade na era da tecnologia digital
Autores:
- Daniel Trindade
- Gabriel Nagawo
- Loren Trindade
- Pedro Gonçalves
- Walter Neto
A crescente integração da população idosa no ambiente digital, embora traga benefícios como maior conectividade e acesso a serviços online (GUEDES et al., 2023), tem sido acompanhada por uma preocupante exposição a riscos cibernéticos, muitas vezes decorrente de uma indiferença social em relação à sua plena e segura inclusão digital (MENDONÇA; FRATTARI; REZENDE, 2024). Este cenário exige uma análise aprofundada dos fatores que tornam os idosos particularmente vulneráveis a crimes e golpes virtuais, e como os profissionais de tecnologia da informação (TI) têm uma responsabilidade crucial em mitigar essas ameaças.
No âmbito do consumo virtual, os idosos são classificados como hipervulneráveis, uma situação de agravamento da vulnerabilidade comum do consumidor devido a circunstâncias como a idade avançada. Essa hipervulnerabilidade é multifacetada, englobando limitações técnicas acentuadas em relação a novas tecnologias, fragilidade factual diante da rapidez das contratações online, e desafios decorrentes de debilidades físicas e cognitivas que acompanham o envelhecimento, como a transformação pejorativa dos tecidos, o raciocínio afetado, e problemas auditivos, visuais e/ou motores. Frequentemente, falta-lhes a astúcia e o conhecimento necessários para identificar fraudes e operar com segurança no ambiente digital (MENDONÇA; FRATTARI; REZENDE, 2024).
Essa condição especial os torna alvos preferenciais de golpistas e grupos criminosos, que exploram a falta de informação e o desconhecimento (MENDONÇA; FRATTARI; REZENDE, 2024). Adicionalmente, as próprias dinâmicas dos contratos virtuais, muitas vezes caracterizados por negociações rápidas, cláusulas extensas em letras minúsculas e opções de "aceite" unilaterais, sem negociação, podem agravar a insegurança jurídica para esses consumidores (GUEDES et al., 2023).
Diante dessa conjuntura, o presente artigo aborda o porquê de idosos estarem suscetíveis a serem vítimas de certos crimes e golpes, detalhando as diversas manifestações de sua hipervulnerabilidade. Analisa também como empresas, intencionalmente ou não, podem arquitetar sistemas que desconsideram ou, em alguns casos, indiretamente exploram a vulnerabilidade de pessoas idosas, especialmente pela falta de adaptação tecnológica e clareza nas interações digitais, bem como pela inadequada proteção de dados pessoais. Por fim, propõe mecanismos de prevenção e mitigação que devem ser implementados para proteger os idosos, incluindo a intervenção estatal por meio de educação tecnológica e campanhas de conscientização, a responsabilidade dos fornecedores na adoção de padrões mínimos de segurança e proteção de dados (MENDONÇA; FRATTARI; REZENDE, 2024), e a necessidade de tecnologias e interfaces adaptadas às suas necessidades e limitações, um campo onde os profissionais de TI desempenham um papel fundamental (GUEDES et al., 2023).
A Hipervulnerabilidade dos Idosos no Ambiente Digital: Causas e Mecanismos de Prevenção
A suscetibilidade dos idosos no ambiente virtual, particularmente em contextos de consumo e interação digital, deriva de uma hipervulnerabilidade que se manifesta em múltiplas dimensões. Embora o Código de Defesa do Consumidor (CDC) presuma a vulnerabilidade de todos os consumidores, a população idosa apresenta um agravamento dessa condição, tornando-a um grupo que necessita de tutela jurídica mais diferenciada e qualificada (MENDONÇA; FRATTARI; REZENDE, 2024).
Essa suscetibilidade é multifatorial, complexa e se manifesta através de uma intersecção de fatores inerentes ao envelhecimento, lacunas no letramento digital e a natureza do ambiente virtual.
1. As Múltiplas Dimensões da Vulnerabilidade Agravada
A vulnerabilidade do idoso no ambiente digital pode ser compreendida através de diversos aspectos que se intensificam mutuamente:
- Desafios na Inclusão e Letramento Digital: Apesar do crescimento no número de idosos com acesso à internet (de 24,7% em 2016 para 62,1% em 2022) (GUEDES et al., 2023); (MENDONÇA; FRATTARI; REZENDE, 2024), muitos enfrentam dificuldades em lidar com a tecnologia e se proteger. A falta de astúcia para identificar fraudes, o desconhecimento e a carência de informações sobre segurança os expõem a riscos, potencializados por barreiras como problemas auditivos, visuais e motores (GUEDES et al., 2023).
Os dados da pesquisa são categóricos: 100% dos 74 idosos entrevistados fazem uso ativo da internet, e a totalidade deles utiliza o celular como principal dispositivo e o WhatsApp como principal rede social. Isso mostra que a inclusão digital está acontecendo em massa, mas a qualidade dessa inclusão é questionável. A penetração da tecnologia é total no grupo estudado, o que torna o letramento digital para segurança uma urgência, e não mais uma opção.
Quantidade | |
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Quais redes sociais você utiliza? (Pode marcar mais de uma alternativa) | |
74 | |
35 | |
4 |
- Vulnerabilidades Específicas Agravadas: A doutrina consumerista distingue quatro espécies de vulnerabilidade (técnica, jurídica, fática e informacional), todas intensificadas nos idosos. A vulnerabilidade técnica é exagerada em relação a novas tecnologias, como home banking e uso de internet. A vulnerabilidade fática se acentua pela rapidez das contratações online e pela dificuldade de compreensão de termos contratuais extensos e em letras minúsculas. A vulnerabilidade informacional é evidenciada pela manipulação e controle de informações por parte dos fornecedores, fragilizando o idoso diante de dados inadequados (MENDONÇA; FRATTARI; REZENDE, 2024).
Quantidade | |
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Utiliza aplicativos bancários? | |
Sim | 60 |
Não | 14 |
A pesquisa demonstra que essa não é uma realidade distante: 81% dos idosos entrevistados afirmaram utilizar aplicativos bancários e realizar pagamentos online. O PIX é o método predominante, utilizado por 60 dos respondentes. Essa alta adesão a serviços financeiros digitais, combinada a uma menor familiaridade técnica, cria um campo fértil para a exploração.
- Menor Familiaridade e Maior Confiança: Um pilar central dessa vulnerabilidade é a menor familiaridade com as dinâmicas e os riscos específicos do ambiente digital. Muitos idosos não integraram as tecnologias em suas fases formativas, resultando em um gap de conhecimento sobre mecanismos de segurança e táticas de engenharia social. Clicar em links maliciosos ou fornecer dados em páginas falsas são exemplos de como essa falta de vivência se traduz em perdas (GUEDES et al., 2023). Adicionalmente, a maior propensão à confiança, fruto de uma socialização em épocas de interações mais diretas, torna-se um passivo. Golpistas exploram essa boa-fé em narrativas como o golpe do falso parente ou ofertas de prêmios inexistentes.
Quantidade | |
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Comportamento diante de contatos desconhecidos/suspeitos | |
Ignoro/Bloqueio o contato | 43 |
Peço ajuda a alguém de confiança | 23 |
Não sei o que fazer | 4 |
Tento verificar se a informação é verdadeira (ligando por um...) | 3 |
Respondo para entender do que se trata | 1 |
Embora a maioria dos idosos (43 de 74) afirme que sua primeira reação a um contato suspeito é ignorar ou bloquear, um número significativo assume posturas de risco: 23 pedem ajuda a terceiros, 4 admitem não saber o que fazer e 1 responde para tentar entender a situação. Essas hesitações são janelas de oportunidade para golpistas, que exploram a boa-fé em narrativas como o golpe do falso parente — um golpe que 7 dos entrevistados já tinham ouvido falar.
Quantidade | |
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Você já foi vítima de algum tipo de golpe ou crime virtual/pela internet/celular? | |
Não | 49 |
Sim | 25 |
- Alvo Preferencial de Golpes e Crimes Virtuais: A hipervulnerabilidade dos idosos os torna alvos preferenciais de criminosos. As estatísticas de crimes cibernéticos direcionados a eles têm aumentado devido à sua menor familiaridade com o mundo digital. Estão sujeitos a uma variedade de fraudes, incluindo golpes do falso parente, cartão clonado, extorsão, falso empréstimo, roubo de identidade e fraudes em compras online (GUEDES et al., 2023). Em um estudo, 23 de 68 participantes idosos já haviam sido alvo de tentativas de golpes virtuais.
A pesquisa confirma essa tese de forma alarmante. Embora 100% dos entrevistados já tenham ouvido falar sobre golpes virtuais, o conhecimento teórico não foi suficiente para protegê-los. Um total de 25 dos 74 idosos (33,8%) admitiu já ter sido vítima de um golpe ou crime virtual. Os tipos de golpes mais conhecidos por eles são Fraudes em compras online (20 menções), Roubo de identidade (17 menções) e Golpe de cartão clonado (16 menções), evidenciando os riscos atrelados diretamente ao consumo e finanças digitais.
Quantidade | |
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Quais desses tipos você já ouviu falar? (Pode marcar mais de uma alternativa) | |
Fraudes em compras online | 20 |
Roubo de identidade | 17 |
Golpe de cartão clonado | 16 |
Extorsão | 12 |
Golpe de empréstimo falso | 10 |
ou FGTS | 7 |
Golpe do INSS | 7 |
Golpe do falso parente | 7 |
Golpe do falso funcionário | 7 |
- Declínio Fisiológico e Fragilidade Psíquica: O processo natural de envelhecimento acarreta debilidades fisiológicas, incluindo a diminuição da capacidade cognitiva e o impacto no raciocínio. A fragilidade psíquica os torna mais suscetíveis a lidar com situações de pressão. Fatores como a perda de papéis sociais, o agravamento de doenças e a solidão podem transformá-los em alvos mais fáceis para abordagens insistentes de vendedores ou operadores de telemarketing (MENDONÇA; FRATTARI; REZENDE, 2024).
As consequências de ser vítima de um golpe vão além do financeiro, confirmando essa fragilidade. Dos 25 idosos que foram vítimas, os principais impactos relatados foram prejuízo financeiro (14 casos), mas também estresse/preocupação (8 casos) e uma profunda sensação de vulnerabilidade (3 casos), afetando diretamente seu bem-estar psíquico.
Quantidade | |
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Qual foi o principal impacto dessa situação para você? | |
Prejuízo financeiro | 14 |
Estresse/Preocupação | 8 |
Sensação de vulnerabilidade | 3 |
- Consequências da Desigualdade Digital: A diversidade da população brasileira implica que o acesso à educação tecnológica não é uniforme. A tentativa de padronizar a capacidade de contratação em ambiente virtual para todos, independentemente de sua realidade ou idade, viola o princípio da humanização do direito (MENDONÇA; FRATTARI; REZENDE, 2024).
2. Mecanismos de Prevenção e o Papel dos Profissionais de TI
Para mitigar esses riscos, profissionais de TI têm um papel crucial e multifacetado na promoção da inclusão digital segura e não predatória da terceira idade. Suas ações podem impactar desde o design de produtos até o suporte oferecido.
2.1. Design Centrado no Usuário Sênior e Acessibilidade
Desenvolver softwares com interfaces intuitivas, fontes legíveis e ajustáveis, alto contraste e navegação simplificada. É fundamental incorporar testes de usabilidade com o público idoso e adotar princípios de acessibilidade (como os do WCAG) desde a concepção do projeto, garantindo compatibilidade com tecnologias assistivas.
Quantidade | |
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Quais dispositivos você utiliza no seu cotidiano? (Pode marcar mais de uma alternativa) | |
Celular | 74 |
Computador/Notebook | 16 |
Tablet | 4 |
Como os dados mostram que o celular é o dispositivo de acesso universal (100% de uso) entre os idosos, o design mobile-first com foco em acessibilidade não é um nicho, mas uma necessidade central.
2.2. Desenvolvimento de Ferramentas de Segurança Adaptadas
Implementar alertas visíveis e compreensíveis para atividades suspeitas, utilizando linguagem simples e direta. É importante oferecer configurações de privacidade e segurança simplificadas, com padrões mais protetivos habilitados por default, e explorar métodos de autenticação que combinem segurança e facilidade, como biometria simplificada ou tokens físicos (GUEDES et al., 2023).
Quantidade | |
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Quais métodos você utiliza? (Pode marcar mais de uma alternativa) | |
PIX | 60 |
TED | 16 |
Boleto | 3 |
Com 81% dos idosos usando aplicativos bancários e PIX, a segurança em transações financeiras é o ponto mais crítico. Ferramentas que adicionam camadas de verificação simplificada (biometria, confirmação por pessoa de confiança) antes de transações de alto valor poderiam prevenir grandes perdas.
2.3. Educação e Capacitação Digital
Criar e disponibilizar materiais didáticos específicos (vídeos, manuais ilustrados, workshops) focados nas necessidades e no ritmo de aprendizado dos idosos. Esses materiais devem cobrir desde o uso básico de dispositivos até a identificação de ameaças online e a proteção de dados pessoais, idealmente em parceria com instituições que atendem ao público sênior.
Os dados revelam um paradoxo crucial: 100% de consciência sobre a existência de golpes, mas 33,8% de vitimização. Isso prova que a educação precisa ir além da simples conscientização, focando em capacitação prática: como identificar um link falso, como configurar a privacidade em redes sociais e o que fazer (e não fazer) ao receber uma oferta suspeita.
2.4. Suporte Técnico Humanizado e Paciente
Estruturar canais de suporte técnico com atendentes treinados em paciência, empatia e na capacidade de explicar conceitos técnicos de forma clara. O suporte remoto deve ser realizado de forma segura e transparente, sempre com o consentimento explícito do usuário.
A pesquisa mostra que buscar ajuda é uma estratégia comum, com 23 idosos recorrendo a alguém de confiança e uma grande maioria (48) afirmando que sempre conversam sobre o tema. Isso indica uma predisposição para pedir suporte. Um canal oficial, paciente e confiável seria um recurso extremamente valioso para esse público.
Em suma, a suscetibilidade dos idosos é uma complexa intersecção de fatores que exigem uma abordagem multifacetada. A intervenção estatal é imperativa para a conscientização da população idosa e para que a educação tecnológica e virtual sirva como proteção, além de exigir dos fornecedores a obediência à legislação de proteção de dados para prevenir fraudes. Somente com a colaboração entre poder público, setor privado (especialmente a área de tecnologia) e a sociedade civil será possível garantir que o ambiente digital seja um espaço de inclusão e oportunidade, e não de exploração, para a população idosa.
Práticas predatórias no ambiente virtual e a necessidade do desenvolvimento responsável
2.1 A Vulnerabilidade dos Idosos a Práticas Predatórias Online
A crescente inserção da população idosa no ambiente virtual, embora traga benefícios significativos como conectividade e acesso a serviços, conforme apontado pelos estudos apresentados, expõe esse grupo a riscos específicos e elevados. A hipervulnerabilidade do consumidor idoso, detalhada na seção 3, torna-o um alvo particularmente suscetível a práticas predatórias por parte de agentes mal-intencionados no ciberespaço.(MENDONÇA; FRATTARI; REZENDE, 2024)

Os dados coletados com um grupo de 74 idosos, com idades entre 60 e 78 anos (idade média de 67,47 anos), corroboram diretamente essa realidade. A pesquisa demonstra uma alta adesão ao ambiente digital: a totalidade dos entrevistados (74) faz uso ativo da internet, principalmente para "comunicar-se com familiares" (34 respostas) e "usar redes sociais" (29 respostas). Mais criticamente, uma vasta maioria já aderiu a serviços financeiros digitais: 60 dos 74 entrevistados (81%) utilizam aplicativos bancários e realizam pagamentos online, evidenciando que a exposição a riscos patrimoniais não é uma hipótese, mas uma realidade cotidiana para este grupo.
2.1.1 Manifestações das Práticas Predatórias
As práticas predatórias no ambiente virtual voltadas para os idosos exploram as vulnerabilidades técnicas, informacionais e fáticas inerentes a essa faixa etária. Os estudos indicam uma variedade de abordagens fraudulentas, que vão desde simples golpes até esquemas mais elaborados. A pesquisa quantitativa revela não apenas a consciência, mas a prevalência dessas ameaças no imaginário e na experiência dos idosos entrevistados. De forma alarmante, 100% dos 74 participantes afirmaram já ter ouvido falar sobre golpes e crimes virtuais.
As manifestações mais conhecidas por eles se alinham perfeitamente com as categorias teóricas:
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Golpes de Falso Parente e Falso Funcionário: Criminosos se passam por familiares em apuros ou representantes de empresas (bancos, operadoras de telefonia, etc.) para induzir o idoso a realizar depósitos, transferências ou fornecer dados sensíveis, aproveitando-se da confiança ou da preocupação do idoso. Embora não sejam os mais citados, estes golpes são reconhecidos pela amostra, com 7 entrevistados mencionando ter ouvido falar tanto do golpe do falso parente quanto do golpe do falso funcionário.
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Golpes Financeiros (Cartão Clonado, Falso Empréstimo, PIX Fraudulento): A exploração de dados financeiros, clonagem de cartões, ofertas de empréstimos fraudulentos com solicitação de pagamentos antecipados, ou o uso indevido de ferramentas como o PIX, são comuns, impactando diretamente o patrimônio do idoso. Os dados mostram que estes são alguns dos golpes mais conhecidos: o "Golpe de cartão clonado" foi mencionado por 16 entrevistados e o "Golpe de empréstimo falso" por 10. A alta utilização de ferramentas como o PIX, método de pagamento preferido por 60 dos entrevistados que pagam online, torna-os alvos diretos para fraudes nesta modalidade.
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Roubo de Identidade e Extorsão: A obtenção indevida de dados pessoais pode levar ao roubo de identidade, utilizado para aplicar outros golpes, ou a táticas de extorsão baseadas em informações obtidas ou ameaças. Esta é uma preocupação proeminente, com o "Roubo de identidade" sendo o segundo tipo de crime mais reconhecido (17 menções) e a "Extorsão" também figurando com destaque (12 menções).
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Fraudes em Compras Online e Ofertas Enganosas: Sites falsos, ofertas de produtos ou serviços inexistentes, ou a venda de itens de qualidade muito inferior à prometida exploram a confiança e a menor familiaridade do idoso com os mecanismos de verificação de segurança online. Esta foi a prática predatória mais reconhecida pelo grupo, citada por 20 dos entrevistados, o que demonstra ser um ponto de grande vulnerabilidade.
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Termos Contratuais Confusos e Contratos de Adesão: Como mencionado na seção 2, os contratos virtuais frequentemente apresentam cláusulas extensas em letras miúdas e formatos de adesão sem espaço para negociação, dificultando a plena compreensão do idoso sobre os termos e riscos assumidos, o que pode ser intencionalmente explorado.
Indo além da conscientização, os dados revelam o impacto real dessas práticas: 25 dos 74 idosos (aproximadamente 34%) afirmaram já ter sido vítimas de um golpe ou crime virtual. Dentre as vítimas, o "prejuízo financeiro" foi o principal impacto reportado (14 vítimas), seguido por "estresse/preocupação" (8 vítimas), materializando os danos patrimoniais e psicológicos citados na literatura.
2.1.2 O Imperativo do Desenvolvimento Responsável
Diante da prevalência das práticas predatórias, torna-se um imperativo ético e jurídico que o desenvolvimento e a oferta de produtos e serviços no ambiente virtual considerem a hipervulnerabilidade dos idosos. Os dados coletados reforçam essa urgência, mostrando que, embora vulneráveis, muitos idosos já adotam posturas proativas e buscam ajuda, indicando que soluções bem projetadas e acessíveis teriam grande aceitação. O conceito de "desenvolvimento responsável" implica em ir além da mera conformidade legal, adotando uma postura proativa para proteger os usuários mais vulneráveis. Isso se traduz em diversas frentes:
2.1.2.1 Ética e Design Centrado no Usuário Hipervulnerável
A primeira linha de defesa contra práticas predatórias reside no design ético das plataformas e serviços online. Isso envolve:
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Evitar "Dark Patterns": Desenvolvedores e designers devem abster-se de utilizar padrões de design enganosos que induzam o usuário a tomar decisões não informadas ou prejudiciais, como assinaturas ocultas, opt-outs difíceis ou compartilhamento de dados excessivo. A interface deve ser clara, intuitiva e previsível para todos os usuários, especialmente os idosos. (MENDONÇA; FRATTARI; REZENDE, 2024)
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Transparência e Acessibilidade Informacional: As informações essenciais, como termos de serviço, políticas de privacidade, custos e procedimentos de segurança, devem ser apresentadas em linguagem simples, clara e acessível, utilizando formatos que facilitem a leitura (tamanho de fonte adequado, contraste, ausência de barras de rolagem intermináveis para termos críticos).
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Priorizar o Bem-Estar e a Autonomia: O design deve focar em capacitar o idoso, promovendo sua autonomia e bem-estar digital, em vez de criar interfaces que explorem a falta de familiaridade ou as limitações cognitivas para fins comerciais.
2.1.2.2 Segurança e Mecanismos de Proteção Integrados
Além da educação do usuário, os fornecedores têm a responsabilidade de implementar e comunicar mecanismos de segurança robustos:
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Proteção de Dados Rigorosa: O cumprimento rigoroso da legislação de proteção de dados é fundamental para evitar que dados pessoais de idosos caiam em mãos erradas e sejam usados em golpes.
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Processos de Verificação e Autenticação Adaptados: Sistemas de verificação e autenticação devem ser seguros, mas também compreensíveis e fáceis de usar para o idoso, talvez oferecendo múltiplos métodos de autenticação.
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Alertas e Confirmações Claras: Para transações de risco ou alterações em configurações, sistemas devem apresentar alertas claros e exigir confirmações explícitas do usuário, explicando as consequências da ação.
Quantidade | |
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Quais aplicativos bancários você utiliza? (Pode marcar mais de uma alternativa) | |
Bradesco | 18 |
Itaú | 17 |
Caixa | 15 |
Santander | 13 |
Banco do Brasil | 13 |
PIX | 1 |
Nubank | 1 |
A necessidade de mecanismos de segurança robustos é inquestionável, considerando que 81% dos idosos pesquisados utilizam aplicativos bancários e pagamentos online, com o PIX sendo a ferramenta dominante. O fato de que um terço do grupo já foi vítima de golpes demonstra que as proteções atuais são insuficientes ou mal comunicadas a este público.
2.1.2.3 Educação Tecnológica e Suporte Acessível
Reconhecendo que a vulnerabilidade informacional e técnica é uma barreira significativa:
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Disponibilização de Tutoriais e Assistentes: Fornecer materiais educativos (tutoriais em vídeo, guias passo a passo) e ferramentas de suporte (assistentes virtuais, FAQs bem elaboradas) que abordem o uso seguro da plataforma e os riscos online, em formatos adaptados às necessidades dos idosos.
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Canais de Atendimento Humanizados: Oferecer canais de suporte ao cliente que considerem as dificuldades de comunicação online e a necessidade de interação mais personalizada.
Quantidade | |
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Comportamento diante de contatos desconhecidos/suspeitos | |
Ignoro/Bloqueio o contato | 43 |
Peço ajuda a alguém de confiança | 23 |
Não sei o que fazer | 4 |
Tento verificar se a informação é verdadeira (ligando por um...) | 3 |
Respondo para entender do que se trata | 1 |
A pesquisa valida a importância crítica da educação e do suporte. Diante de um contato suspeito, a reação mais comum foi "Ignoro/Bloqueio o contato" (43 respostas), o que é positivo. No entanto, um número significativo (23) respondeu que "Peço ajuda a alguém de confiança", enquanto um grupo menor, e mais vulnerável, admitiu "Não sei o que fazer" (4) ou "Respondo para entender do que se trata" (1). Esses dados mostram uma clara necessidade de orientação para fortalecer o comportamento seguro e oferecer um caminho claro para aqueles que se sentem perdidos ou inseguros.
2.1.2.4 Conscientização Interna e Colaboração
O desenvolvimento responsável exige uma mudança cultural dentro das empresas:
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Treinamento das Equipes: Educar as equipes de desenvolvimento, design, marketing e atendimento sobre a hipervulnerabilidade dos idosos e a importância da inclusão digital e da segurança para este grupo.
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Parcerias: Colaborar com órgãos de proteção ao consumidor, instituições de apoio a idosos e o próprio Estado para desenvolver campanhas de conscientização e validar soluções tecnológicas inclusivas e seguras.
Quantidade | |
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Compartilhamento de informação e busca por ajuda | |
Sempre converso | 48 |
Às vezes converso | 15 |
Raramente converso | 7 |
Nunca converso | 4 |
A propensão dos idosos a buscar ajuda externa valida a estratégia de parcerias. Os dados mostram que a comunicação é uma ferramenta chave para este público: 48 entrevistados afirmaram que "Sempre converso" sobre o tema de segurança e golpes, e outros 15 disseram que "Às vezes converso". Essa disposição para o diálogo indica que parcerias com redes de apoio familiar, comunitário e institucional seriam extremamente eficazes para disseminar informações e oferecer suporte, criando um ecossistema de proteção mais forte em torno do usuário idoso.
CONCLUSÃO
Em suma, o combate às práticas predatórias contra o consumidor idoso no ambiente virtual passa necessariamente por uma atuação conjunta do Estado, da sociedade e, crucialmente, dos fornecedores de bens e serviços digitais. Os dados coletados nesta pesquisa corroboram essa urgência de forma contundente: com 100% dos 74 idosos entrevistados fazendo uso ativo da internet e 81% utilizando aplicativos bancários e pagamentos online, a exposição ao risco não é uma possibilidade, mas um fato consumado. A alarmante realidade de que um terço da amostra (25 de 74) já foi vítima de golpes, resultando majoritariamente em prejuízo financeiro (14 casos), transforma a necessidade de proteção de uma questão teórica para uma demanda social e de mercado imediata. O desenvolvimento responsável, pautado pela ética, transparência, segurança e acessibilidade, não é apenas uma boa prática, mas um pilar essencial para garantir a dignidade e a igualdade da pessoa idosa no cenário digital contemporâneo.
Este trabalho investigou as vulnerabilidades da população idosa na era digital, e a análise de dados evidenciou que a conscientização, embora alta — todos os participantes já ouviram falar de crimes virtuais —, é insuficiente para prevenir a vitimização. A familiaridade dos idosos com golpes como fraudes em compras online (citado por 20 pessoas) e roubo de identidade (17 menções) demonstra que eles estão cientes das ameaças mais comuns. Contudo, o papel crucial dos profissionais e empresas de TI reside em traduzir essa consciência em proteção efetiva. Estratégias como design centrado no usuário sênior, educação digital direcionada e, especialmente, suporte técnico humanizado são fundamentais, visto que 23 entrevistados afirmaram proativamente "pedir ajuda a alguém de confiança" diante de uma ameaça, mostrando uma clara necessidade de canais de apoio formais e acessíveis.
O imperativo ético do desenvolvimento responsável emerge, portanto, como a resposta mais robusta. Priorizar a transparência, a acessibilidade informacional e a proteção contra "dark patterns" é essencial para construir um universo digital seguro. No entanto, a investigação não deve parar por aqui. Embora este estudo tenha focado em plataformas web, redes sociais e aplicativos financeiros, a tecnologia continua a evoluir, e com ela, os vetores de risco. É imperativo extrapolar a pesquisa para outros modais de ferramentas digitais que ganham espaço no cotidiano dos idosos, como dispositivos de casa inteligente (IoT), assistentes de voz (Alexa, Google Assistant) e tecnologias vestíveis (wearables) de saúde. Essas inovações, embora promissoras, introduzem novas vulnerabilidades, desde a privacidade de dados de saúde e conversas domésticas até interfaces que podem ser facilmente manipuladas. A análise futura deve, portanto, antecipar-se a esses novos desafios, garantindo que o princípio do desenvolvimento responsável se aplique a todo o ecossistema tecnológico, para que os idosos possam, de fato, usufruir dos benefícios da inovação com plena autonomia, segurança e livres de riscos e exclusão.
GUEDES, M. S. et al. Crimes e golpes virtuais: desafios enfrentados pelos idosos na era tecnológica. OBSERVATÓRIO DE LA ECONOMÍA LATINOAMERICANA, v. 21, n. 9, p. 14026–14040, 2023
MENDONÇA, C. G.; FRATTARI, M. B.; REZENDE, O. O idoso como consumidor virtual hipervulnerável. Direito Atual em Análise, vol. I, p. 263–277, 2024